quarta-feira, 3 de agosto de 2011

BANBOSE OBITIKO




Embora os cultos africanos fossem terminantemente proibidos na Bahia de outrora - a liberação definitiva só foi assinada pelo governador Roberto Santos, em 1976 - a presença do candomblé na Barroquinha conviveu com a passagem de alguns governos, uns mais permissivos, como o do famoso Conde dos Arcos; outros mais intransigentes, a exemplo do temido Conde da Ponte. Em qualquer caso, todos os rituais eram feitos às escondidas, ou pelo menos disfarçados pelo sincretismo religioso que ganhava força na Velha Bahia. As duas principais festas comemorativas da fundação do candomblé fazem referências aos orixás mais venerados: Oxóssi, o senhor da terra, e Xangô, o regente da casa. A primeira acontece no dia de Corpus Cristhi, e a segunda no dia de São Pedro, datas em que não seriam necessários maiores pretextos para os banquetes africanos e a batida dos tambores.
Quando as festas para os orixás não eram mascaradas pelo sincretismo, os rituais religiosos eram praticados em segredo absoluto para escapar da repressão. Reza a tradição iorubá que, para realizar o culto de Xangô em sigilo, os adeptos da Casa Branca construíram uma passagem secreta sob uma árvore oca, atingida por um raio. Lá, os altares sagrados poderiam ser cultuados e as oferendas realizadas de maneira discreta e preservada. Segundo contam, o subterrâneo secreto deixou de existir, assim como outros que haveria por ali, quando o terreno foi aplainado e as árvores sagradas extraídas, durante a reforma da área.
Ataque policial
No centro da cidade, o terreiro ficava próximo ao Palácio dos Governadores, ao Mosteiro de São Bento e ainda do Solar do Berquó, na época residência de um dos desembargadores do Tribunal da Relação. Temendo um ataque policial, as sacerdotisas arrendaram as terras do Engenho Velho, longe do governo central. Mas, segundo Pierre Verger, estudioso do assunto, antes de chegar na Avenida Vasco da Gama, onde ainda se encontra, o terreiro mudou-se por diversas vezes, "passando inclusive pelo Calabar, na Baixa de São Lourenço". Depois desse episódio, todos os templos africanos seriam construídos nos arredores da antiga Salvador, onde as cerimônias poderiam ser realizadas de maneira mais discreta.
Foi durante o governo do Visconde de São Lourenço, entre 1848 e 1852, que os negros da Casa Branca seriam de uma vez por todas expulsos da Barroquinha. Em 1851, a "modernidade" chegou à capital, com a urbanização da área e pavimentação da Baixa dos Sapateiros, antiga Rua da Vala, por onde esgotos corriam a céu aberto. Alguns anos antes, vários levantes de escravos foram deflagrados em Salvador, até que em 1835 se deu a sangrenta Revolta dos Malês, organizada pelos negros muçulmanos. Era mais um pretexto para desmobilizar os encontros entre os africanos na Bahia.
Iyá Nassô, tida ainda hoje como a principal matriarca da história do terreiro, partiu com os seus súditos para plantar o axé na então distante roça do Engenho Velho, "no Rio Vermelho de baixo". Dizem que foi o lendário babalaô Bamboxê Obticô, avô do saudoso Felizberto Sowzer, uma figura importante na reconstituição dos cultos e rituais perdidos no tempo. Sobre iyá Nassô, se sabe que ela morava na Rua das Flores, no Pelourinho, e era comerciante de carnes no Mercado de Santa Bárbara.
Mas, já no Engenho Velho, as autoridades novamente tentaram calar os tambores e cânticos africanos da Casa Branca. Uma reportagem publicada no antigo Jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão a uma reunião na casa de iyá Nassô que teria sido interrompida por uma diligência policial: "Foram presos e colocados à disposição da polícia Cristovão Francisco Tavares, africano emancipado, Maria Salomé, Joana Francisca, Leopoldina Maria da Conceição, Escolástica Maria da Conceição, crioulos livres; os escravos Rodolfo Araújo Sá Barreto, mulato; Melônio, crioulo, e as africanas Maria Tereza, Benedita, Silvana... que estavam no local chamado Engenho Velho, numa reunião que chamavam de candomblé".

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