Oséturà
Ele também traz o título de “Ojisé-ebó”, que quer dizer, “o carregador de ebó, pois ele é aquele que tem a função de transportar o ebó do aiyé (terra) para o orun (além). Também é conhecido como Akín-Oso que quer dizer o grande mago, grande feiticeiro. Ele é aquele que faz e sabe fazer o ebó dar certo.
Oseturá é peça fundamental do oráculo de Ifá, que relata claramente o desenvolvimento da função de Esù na história a seguir.
Olódùmaré colocou sobre a Terra quatrocentos Ìrúnmalé (são as entidades que não pisarão no solo terrestre) à direita, duzentos Òrìsà (eborá) à esquerda e ordenou que todo as questões deveriam ser consultadas à Òrùnmilá através do sistema Ifá.
Olódùmaré enviou os “dezesseis odu” ao mundo para que eles fertilizassem e estabelecessem a terra, colocando em prática os ensinamentos recebidos do Criador e transmitidos por Òrùnmilá.
Com esses ensinamentos, os Odu tiveram a missão de instalar os pilares de fundação que sustentariam a terra. Isto feito poderiam existir neste mundo os Òrìsà e todos os seres humanos. Quando chegaram tiveram que estabelecer primeiramente a floresta (igbó), abrindo nela uma clareira que seria consagrada a “oro”, o igbó-oro, local de adoração na floresta. Oro é como se fosse poder.
Sem oro nada é feito. É um Ìrúnmalé que concentra potência. Oro é reza.
A segunda clareira seria para “Egun”, o Igbó-egun, também chamada de “Igbó-opá” ou“Igbó-Igbalé”, onde séria cultuado, e resolvido os assuntos relativos a egun toda parte de magia relacionada a ancestre.
A terceira clareira seria para “Odu-ifá”, o “Igbó-ifá” onde todos os “odu” iriam cultuar o oráculo Ifá.
A quarta clareira seria implantada para os “Òrìsà”, o “Igbo-Òrìsà”, local de adoração e oferenda aos Òrìsà.
Olódùmaré ensinou também aos Odu como resolver também os locais de assentamento e adoração, os “Ojubó” (lugares de adoração) e como deveriam ser feitas oferendas para que não houvesse mortes prematuras, nem esterilidade, infecundidade, perdas, vida paupérrima, doenças sem razão, enfim, nada de mal ou destrutivo se abatesse sobre os homens e sobre a terra.
Lembramos que Òrùnmilá sempre foi o administrador principal entre Olódùmaré e os dezesseis Odu. O pequeno grande sábio, com sua inteligência e sabedoria, ajudava o Criador em todas as tarefas de formação da terra.
Depois de algum tempo, muitas situações se resolviam positivamente, por exemplo: se alguém estivesse doente, ele consultava a Orunmilá para saber se Egun poderia salvá-lo. Com a resposta afirmativa, o doente seria conduzido ao Igbó-oro ou igbó-igbalé e então, um ebó era feito ou uma oferenda para egungun.
Se houvesse uma mulher estéril, deveria consultar por Ifá a Orunmilá para que indicasse um ebó e uma infusão de folhas e raízes contendo um Ase da Iya-mi para que a mulher bebesse e se tornasse fértil. Se alguém estivesse levando uma vida miserável demais, Orunmilá informaria à respeito. Poderia ser que “oro” estivesse associado à sua própria entidade criadora. Orunmilá diria à pessoa que “oro” deveria ser adorado e o homem seria levado à “floresta de oro “.
Os Odu seguiram esta prática por muito tempo. Enquanto isso inúmeras oferendas e inúmeros ebó eram realizados sem que em nenhuma reunião ou encontro, fosse repartido ou compartilhado com o poder feminino, representado pela Iya-mi. Esse desrespeito, abandono e principalmente o fato dos odu não darem a devida importância a Iya lhes trariam sérios problemas, como veremos nos fatos a seguir narrados.
A indignação da Iya-mi foi extremamente profunda e contundente. Ela lançou sobre tudo e todos o seu “ase” negativo, fazendo com que todos os objetivos e propósitos se tornassem absolutamente contrários. Por exemplo: quando os Odu indicavam ou levavam animais que servissem como oferendas, fossem carneiros, aves, sobre tudo o “ase” negativo era lançado e tudo se tornava inútil.
Se os pedidos encaminhados eram para alguém não morrer, o doente morria. Se o pedido solicitava a morte de alguém, este alguém sobreviveria. Se o pedido era para a mãe parir um filho, ela ficava totalmente estéril. A vingança do poder feminino estava instalada.
Tudo que ocorria ultrapassava a compreensão e capacidade de solução que os Odu possuíam. Eles já tinham aplicado todos os conhecimentos e não conseguiam reverter à situação. Resolveram então reunir-se no “igbó” e por meio do Opele e dos ikin consultar a Orunmilá.
Contudo as caídas dos ikin e do opele negaram-se a responder qualquer coisa sobre os problemas que estavam ocorrendo. Preocupados e intrigados, os Odu, mesmo assim, ainda receberam por Ifá a instrução que deveriam ir ao Orun (céu) e conversar com Orunmilá. Chegando no Orun os Odu encontraram Orunmilá e este tomou consciência da situação, pediu aos Odu que o deixassem sozinho e depois partiu vagando pelo céu para encontrar Olódùmaré.
Neste momento, Orunmilá já pressentia que algo de profundo estava por ocorrer, isto é, a necessidade de uma nova situação surgir, a décima-sétima figura. Esta figura deveria ser muito ágil, esperto e ter também sabedoria, presumia ele.
Seria preciso a função Esu chegar à Terra. Depois de muito vagar, Orunmilá encontra Olódùmaré que estava ao lado do “Poder Esu”. Presume-se que Orunmilá encontrou “Deus” (Olódùmaré) em sua face esquerda (Esu). Imagina-se que Orunmilá viu o “lado que castiga” do Criador.
Olódùmaré disse que devido à desobediência dos Odu e também do mau comportamento, ele não poderia interferir e recomenda que os Odu voltassem à Terra e pedissem desculpas à Iya-mi.
Orunmilá voltou e falou para os Odu que eles deveriam tentar obter o perdão da Iya-mi. Deveriam reverenciá-la e convidá-la para participar dos encontros, ebó, oferendas e reuniões. Os Odu obedeceram mais não obtiveram êxito. A Iya-mi, inflexível, não aceitava pedido algum de desculpas, um a um os Odu tentavam de tudo para reverter à dura posição da representante do poder ancestre feminino.
Ela continua magoada e com o seu orgulho muito ferido apesar das referidas súplicas de desculpas dos Odu.
Após sete dias, os Odu já estavam cansados e quase desistindo quando surgiu uma possibilidade de reverter a difícil situação. Ela disse que se os Odu com seus “Ase” conseguissem fazê-la engravidar e parir um ser masculino, a situação estaria contornada. Todavia teriam que aceitar este ser em todas as reuniões, ebó e oferendas.
Ele funcionaria como um representante presente dela, Iya-mi, entre os Odu. Mas se o ser que ela parisse fosse feminino aí tudo estaria arrasado, pois ela jamais perdoaria os Odu, espalhando ainda mais pedaços de seu “Ase” negativo sobre tudo e sobre todos, pondo fim inclusive na própria terra. Em resumo, se os Odu conseguissem com suas magias e “ase” que ela tivesse um filho homem e que mantessem a presença e a participação deste filho-homem em tudo o que fosse decidido e realizado, a situação estaria contornada. Concluía ela que se os Odu tivessem êxito, seria uma grande prova que Olódùmaré tinha dado de sabedoria e que também tinha ajudado os Odu.
Sem outra escolha os Odu aceitaram o desafio e pediram ajuda de Orunmilá. Além desta, solicitaram ajuda dos Òrìsà que também deveriam lançar os “Ase” propiciatórios para a criança ser homem. Um a um lançava sobre a cabeça da Yia-mi todos os “ase” diariamente e os outros diziam “too” (assim seja). Até o dia do parto o ritual foi repetido.
Chegou então o grande dia e a criança nasceu. Todos queriam saber o sexo mais a mãe não permitiu. Disse que só depois de nove dias o sexo seria revelado e a criança seria apresentada, pois enquanto o umbigo não caísse o nome não seria dado também.
Após os nove dias a Iya-mi mostrou o filho a todos e para a felicidade geral era menino, “era homem”. O filho varão foi colocado nas mãos de “Òrìsànlá” que assim que viu que era menino gritou “Muso!” (viva, viva).
Todos os Òrìsà e todos os Odu seguraram o menino, quando alguém entre eles questionou: qual nome receberá a criança?
Òrìsànlá falou que tinham sido os Òrìsà que conseguiram com seu ase que a criança fosse menino, então o pequeno deveria chamar-se “Ase-twa” (o poder ele nos trouxe). Houve contestação de todos os Odu pois estes chamavam a si a principal parcela de sucesso na tarefa de lançar os ase propiciatórios, que conseguiram fazer a criança ser menino. Resolveram levar o menino para que fosse consultado por Ifá. Assim ficaria definido qual ou quais Odu seria (am) responsável (eis) pelos destinos do pequenino.
Orunmilá revela então que o menino deveria chamar-se Osetura, pois tinham sido os Odu Ose e Oturá que tinham propiciado caminhos para que aquele ser vivesse na Terra. Após a sagração do menino ao grupo dos dezesseis Odu, este grupo passou a ter dezessete figuras. Se uma mulher estéril queria um filho, como por encanto um filho ela teria. Os pedidos passaram a ser atendidos. Enquanto isso a Iya-mi, satisfeita em parte, orgulhando-se do filho varão, resolveu chamá-lo de “akín-oso” (o poder mago, homem dotado de grande poder natural).
Os odu também passaram a chamá-lo de “Akín Oso”. Em todas as reuniões, decisões, trabalhos, ebó e oferendas, os Odu tinham que levar o menino que agora fazia parte do grupo. Ele era a décima-sétima figura. Apesar de imposta ao grupo dos 16 odu eles não o aceitavam completamente. Eram sim obrigados, pelo pacto feito, a conviver com Osetura. Mais uma vez, a auto-confiança e até uma certa rebeldia dos Odu, como na fase que ignoravam a Iya-mi, fez os Odu ter comportamento parecido com Oseturá.
A situação voltou a ficar incontrolável. Uma grande seca se abateu sobre a terra. Presume-se que os Odu, apesar de levarem Osetura para os trabalhos, “não o aceitavam”. Ele não tinha mostrado “para o que veio” . A seca tudo destruía. Os animais morriam, as folhas secavam, os rios desapareciam. Não chovia haviam três anos e até o orvalho desaparecera.
Os Odu apavorados consultaram Orunmilá e receberam a informação por Ifá que um grande Ebó deveria ser feito e oferecido a Olódùmaré, para que este tivesse misericórdia da Terra. Este ebó era constituído de vários animais, pássaros, frutas e comidas, ovos, 16 panos crus, folhas de ifá e 16 quartinhas com “Epo”.
Quando a oferenda ficou pronta, o Odu Ogbé foi o primeiro a tentar levar o ebó do Aiyé para o Orun. Não conseguiu. No dia seguinte, Odu Oyeku tentou e não obteve êxito. Depois, Iwori, Odi, Irosun e assim até o décimo-sexto, Ofun, todos fracassaram.
As portas do orun não se abriram para nenhum deles. Estavam “pesados” de tanta comida, bebidas, astralmente pesados, não rompiam da terra para o céu.
Decidiram então que a décima-sétima figura, Osetura, deveria tentar. Falaram com ele, mas ele, astutamente, a princípio recusou e disse que não estava bem naquele momento. Sozinho, akín-oso (Oseturá) foi ao igbó consultar Ifá para tentar saber de Orunmilá como proceder. Por Ifá obteve a informação que deveria fazer um ebó antes de levar a oferenda grande. Foi informado também que no caminho surgiria uma anciã e que esta deveria ser bem tratada.
Orunmilá disse também se Osetura obtivesse êxito, gozaria de prestígio e respeito para sempre entre os Odu e entre todos da Terra. Osetura preparou-se para fazer seu ebó e no caminho encontrou a referida anciã. Ela dirigiu-se a ele e disse: “akín-oso, aonde você vai? Ouvi rumores sobre as tentativas dos Odu de levar o grande ebó para Olódùmaré. Você tem alguma coisa para me dar?, disse ela. Oseturá deu-lhe alguns búzios. Agradecida ela falou que há três dias não tinha nada para comer.
Ela perguntou: “Você tomou “alimentos” hoje?”. Como a resposta foi positiva, ela disse então: “Não tente hoje. Faça jejum e tente amanhã”. Despediram-se e Osetura não percebeu que aquela anciã era a própria Iya-mi, disfarçada naquela velha maltrapilha.
Era, portanto, sua mãe. Somente mais tarde ele veio a entender o que aí se passou. Ao encontrar os Odu ele omitiu a tática que iria utilizar, somente dizendo que sua tentativa seria feita outro dia. Chegando ao local das oferendas, em completo jejum, o “ajubó ebó” ele encontra a presença de Esu. Assim que ele começa a “arriar o grande ebó” é sugado com o presente e rompem do “Aiyé” para o “orun” . As portas do céu já estavam abertas.
Ao encontrar Osetura que se estremecia todo, Olódùmaré disse: “Ah! Você viu quando choveu pela última vez na Terra? Pergunto-lhe se o mundo não foi destruído? O que ainda existe? Osetura não consegue nem falar. Olódùmaré percebendo o comportamento de Osetura, apanhou um “Ase” mágico, valioso no orun e de fundamental importância na terra. Esse “ase” eram bastões energéticos, feixes de chuva.
A instrução era para que Oseturá voltasse para a Terra, de posse dos bastões. E assim foi feito. Quando ele chega e rompe na atmosfera terrestre, os bastões encantados são lançados, repletos de “ase” , que imediatamente se transformam em chuva, em uma ciranda da vida que culminaria com a salvação da Terra. Ouvia-se ao longe trovões e via-se os raios anunciando a chegada da chuva remetida por Olódùmaré e trazida por Oseturá, aquele que tinha sido o carregador, o transportador do “grande ebó”.
Assim queOseturá chegou a Terra, viu em primeiro lugar uma plantação de quiabos, viu uma plantação de feijão, viu uma plantação de milho, inhame, abóbora, dendezeiros, todos florindo. Viu as folhas brotarem; o verde voltara. Além dos dezesseis Odu, todos saudavam e aclamavam Oseturá.
Os homens se curvavam perante ele. Até um cavalo ele ganhou, sinal de nobreza, pois somente os nobres possuíam cavalo. Oseturá foi “coberto” de presentes, todos queriam que ele fosse “portador” de suas oferendas, pois ele tinha obtido êxito de transportar o ebó para Olódùmaré, onde todos falharam.
Desde este dia ele ganhou também o título de “ojisé ebó”, o transportador de ebó.
Ficou também estabelecido por todos os Odu e Òrìsà que qualquer trabalho ou oferenda a ser feita, em primeiro lugar deverá ser comunicada a Esu e algo lhe ofertado (Oseturá, Akín-oso), pois ele dividirá com seu pai Esu Odara o presente recebido.
Presume-se que este Esu Odara seja o lado esquerdo de Deus e Esu é o representante de Esu Odara na Terra. Orunmilá determinou que qualquer trabalho relativo aos Odu e aos Òrìsà deverá antes ser feita uma oferenda para Oseturá. Desde então nenhum Odu ou Òrìsà aceitaria oferenda alguma sem que antes tivesse sido agradado, lembrado e respeitado o “transportador”, o “portador” do Ebó Oseturá. Conseqüentemente, Oseturá passou a dividir tudo que recebia com Esu Odara, seu pai, seu criador, ou seja, o lado esquerdo de Deus.
A formade Esu no orun é Esu Odara, enquanto que aqui na terra Oseturá é o próprio Esu, assim como Elegbará, Elegbira também são formas de Esu na terra. Ele se converte em portador e carregador de oferendas para o Orun, recebendo o título de “ojisé-ebó”. Também podemos chamá-lo de Esu-Elebó, o proprietário, o que controla e regula o ebó.
Esu é inclusive conhecido como “Eleru”, senhor do “eru”, carrego ritual. Esu é portanto filho da Iya-mi, representante do poder ancestre feminino e dos Ase dos 16 Odu-Agba, representando o poder masculino. A relação harmoniosa entre o poder feminino e masculino é restabelecida com o nascimento de Osetura, que é o resultado da fertilização e da descendência. Osetura restabelece a relação harmoniosa por duas vezes.
A primeira quando nasce varão, restabelecendo a harmonia entre a Iya-mi-ajé e os dezesseis Odu-agba, salvando a terra do caos e do aniquilamento. A seguir ele conseguiu que as portas do Orun lhe fossem abertas, outra vez salvando a terra da seca total, reatando e mantendo, mais uma vez, a relação dinâmica do orun e aiyé.
Após esta história é fácil entendermos que a dinâmica de todo sistema yorubá é centrada em torno do ebó, da oferenda, o sacrifício em sua vasta gama de propósitos e modalidades, restituindo e redistribuindo “ase”. É o único meio para que a harmonia seja mantida nos dois planos ou seja, no orun e no aiyé. Esu se compromete em devolver tudo que ele devora, multiplicando e redistribuindo tudo em diversas formas, às vezes com riquezas, crescimento e honras. É por meio da devolução que Esu fornece a multiplicação e o crescimento. Tudo que existe de forma individual será redistribuído.
Toda pessoa viva é acompanhada, constituída por seu próprio Esu individual, elemento que permitiu seu nascimento, desenvolvimento e o fator multiplicador, cumprindo, portanto, o fator dinâmico harmoniosamente.
Esu sob a forma “yangi” é símbolo do elemento procriado, é responsável e o único capaz de reparar o útero mítico fecundado, o Igbá-nlá” ou “igbá-iwa”, cabaça da existência. Porém é bom ficar bem claro que apesar de Esu ser produto, do masculino e do feminino, é ele masculino, tão somente esta é a sua forma. Lembramos que a própria Iya-mi exigiu que o produto de sua fertilidade fosse masculina, fosse homem, isto lá no início da criação da terra. Logo, não existe Esu fêmea.
Em resumo, nunca se esqueçam de Esu. Presenteiem Esu e acima de tudo respeitem Esu.
Ele também traz o título de “Ojisé-ebó”, que quer dizer, “o carregador de ebó, pois ele é aquele que tem a função de transportar o ebó do aiyé (terra) para o orun (além). Também é conhecido como Akín-Oso que quer dizer o grande mago, grande feiticeiro. Ele é aquele que faz e sabe fazer o ebó dar certo.
Oseturá é peça fundamental do oráculo de Ifá, que relata claramente o desenvolvimento da função de Esù na história a seguir.
Olódùmaré colocou sobre a Terra quatrocentos Ìrúnmalé (são as entidades que não pisarão no solo terrestre) à direita, duzentos Òrìsà (eborá) à esquerda e ordenou que todo as questões deveriam ser consultadas à Òrùnmilá através do sistema Ifá.
Olódùmaré enviou os “dezesseis odu” ao mundo para que eles fertilizassem e estabelecessem a terra, colocando em prática os ensinamentos recebidos do Criador e transmitidos por Òrùnmilá.
Com esses ensinamentos, os Odu tiveram a missão de instalar os pilares de fundação que sustentariam a terra. Isto feito poderiam existir neste mundo os Òrìsà e todos os seres humanos. Quando chegaram tiveram que estabelecer primeiramente a floresta (igbó), abrindo nela uma clareira que seria consagrada a “oro”, o igbó-oro, local de adoração na floresta. Oro é como se fosse poder.
Sem oro nada é feito. É um Ìrúnmalé que concentra potência. Oro é reza.
A segunda clareira seria para “Egun”, o Igbó-egun, também chamada de “Igbó-opá” ou“Igbó-Igbalé”, onde séria cultuado, e resolvido os assuntos relativos a egun toda parte de magia relacionada a ancestre.
A terceira clareira seria para “Odu-ifá”, o “Igbó-ifá” onde todos os “odu” iriam cultuar o oráculo Ifá.
A quarta clareira seria implantada para os “Òrìsà”, o “Igbo-Òrìsà”, local de adoração e oferenda aos Òrìsà.
Olódùmaré ensinou também aos Odu como resolver também os locais de assentamento e adoração, os “Ojubó” (lugares de adoração) e como deveriam ser feitas oferendas para que não houvesse mortes prematuras, nem esterilidade, infecundidade, perdas, vida paupérrima, doenças sem razão, enfim, nada de mal ou destrutivo se abatesse sobre os homens e sobre a terra.
Lembramos que Òrùnmilá sempre foi o administrador principal entre Olódùmaré e os dezesseis Odu. O pequeno grande sábio, com sua inteligência e sabedoria, ajudava o Criador em todas as tarefas de formação da terra.
Depois de algum tempo, muitas situações se resolviam positivamente, por exemplo: se alguém estivesse doente, ele consultava a Orunmilá para saber se Egun poderia salvá-lo. Com a resposta afirmativa, o doente seria conduzido ao Igbó-oro ou igbó-igbalé e então, um ebó era feito ou uma oferenda para egungun.
Se houvesse uma mulher estéril, deveria consultar por Ifá a Orunmilá para que indicasse um ebó e uma infusão de folhas e raízes contendo um Ase da Iya-mi para que a mulher bebesse e se tornasse fértil. Se alguém estivesse levando uma vida miserável demais, Orunmilá informaria à respeito. Poderia ser que “oro” estivesse associado à sua própria entidade criadora. Orunmilá diria à pessoa que “oro” deveria ser adorado e o homem seria levado à “floresta de oro “.
Os Odu seguiram esta prática por muito tempo. Enquanto isso inúmeras oferendas e inúmeros ebó eram realizados sem que em nenhuma reunião ou encontro, fosse repartido ou compartilhado com o poder feminino, representado pela Iya-mi. Esse desrespeito, abandono e principalmente o fato dos odu não darem a devida importância a Iya lhes trariam sérios problemas, como veremos nos fatos a seguir narrados.
A indignação da Iya-mi foi extremamente profunda e contundente. Ela lançou sobre tudo e todos o seu “ase” negativo, fazendo com que todos os objetivos e propósitos se tornassem absolutamente contrários. Por exemplo: quando os Odu indicavam ou levavam animais que servissem como oferendas, fossem carneiros, aves, sobre tudo o “ase” negativo era lançado e tudo se tornava inútil.
Se os pedidos encaminhados eram para alguém não morrer, o doente morria. Se o pedido solicitava a morte de alguém, este alguém sobreviveria. Se o pedido era para a mãe parir um filho, ela ficava totalmente estéril. A vingança do poder feminino estava instalada.
Tudo que ocorria ultrapassava a compreensão e capacidade de solução que os Odu possuíam. Eles já tinham aplicado todos os conhecimentos e não conseguiam reverter à situação. Resolveram então reunir-se no “igbó” e por meio do Opele e dos ikin consultar a Orunmilá.
Contudo as caídas dos ikin e do opele negaram-se a responder qualquer coisa sobre os problemas que estavam ocorrendo. Preocupados e intrigados, os Odu, mesmo assim, ainda receberam por Ifá a instrução que deveriam ir ao Orun (céu) e conversar com Orunmilá. Chegando no Orun os Odu encontraram Orunmilá e este tomou consciência da situação, pediu aos Odu que o deixassem sozinho e depois partiu vagando pelo céu para encontrar Olódùmaré.
Neste momento, Orunmilá já pressentia que algo de profundo estava por ocorrer, isto é, a necessidade de uma nova situação surgir, a décima-sétima figura. Esta figura deveria ser muito ágil, esperto e ter também sabedoria, presumia ele.
Seria preciso a função Esu chegar à Terra. Depois de muito vagar, Orunmilá encontra Olódùmaré que estava ao lado do “Poder Esu”. Presume-se que Orunmilá encontrou “Deus” (Olódùmaré) em sua face esquerda (Esu). Imagina-se que Orunmilá viu o “lado que castiga” do Criador.
Olódùmaré disse que devido à desobediência dos Odu e também do mau comportamento, ele não poderia interferir e recomenda que os Odu voltassem à Terra e pedissem desculpas à Iya-mi.
Orunmilá voltou e falou para os Odu que eles deveriam tentar obter o perdão da Iya-mi. Deveriam reverenciá-la e convidá-la para participar dos encontros, ebó, oferendas e reuniões. Os Odu obedeceram mais não obtiveram êxito. A Iya-mi, inflexível, não aceitava pedido algum de desculpas, um a um os Odu tentavam de tudo para reverter à dura posição da representante do poder ancestre feminino.
Ela continua magoada e com o seu orgulho muito ferido apesar das referidas súplicas de desculpas dos Odu.
Após sete dias, os Odu já estavam cansados e quase desistindo quando surgiu uma possibilidade de reverter a difícil situação. Ela disse que se os Odu com seus “Ase” conseguissem fazê-la engravidar e parir um ser masculino, a situação estaria contornada. Todavia teriam que aceitar este ser em todas as reuniões, ebó e oferendas.
Ele funcionaria como um representante presente dela, Iya-mi, entre os Odu. Mas se o ser que ela parisse fosse feminino aí tudo estaria arrasado, pois ela jamais perdoaria os Odu, espalhando ainda mais pedaços de seu “Ase” negativo sobre tudo e sobre todos, pondo fim inclusive na própria terra. Em resumo, se os Odu conseguissem com suas magias e “ase” que ela tivesse um filho homem e que mantessem a presença e a participação deste filho-homem em tudo o que fosse decidido e realizado, a situação estaria contornada. Concluía ela que se os Odu tivessem êxito, seria uma grande prova que Olódùmaré tinha dado de sabedoria e que também tinha ajudado os Odu.
Sem outra escolha os Odu aceitaram o desafio e pediram ajuda de Orunmilá. Além desta, solicitaram ajuda dos Òrìsà que também deveriam lançar os “Ase” propiciatórios para a criança ser homem. Um a um lançava sobre a cabeça da Yia-mi todos os “ase” diariamente e os outros diziam “too” (assim seja). Até o dia do parto o ritual foi repetido.
Chegou então o grande dia e a criança nasceu. Todos queriam saber o sexo mais a mãe não permitiu. Disse que só depois de nove dias o sexo seria revelado e a criança seria apresentada, pois enquanto o umbigo não caísse o nome não seria dado também.
Após os nove dias a Iya-mi mostrou o filho a todos e para a felicidade geral era menino, “era homem”. O filho varão foi colocado nas mãos de “Òrìsànlá” que assim que viu que era menino gritou “Muso!” (viva, viva).
Todos os Òrìsà e todos os Odu seguraram o menino, quando alguém entre eles questionou: qual nome receberá a criança?
Òrìsànlá falou que tinham sido os Òrìsà que conseguiram com seu ase que a criança fosse menino, então o pequeno deveria chamar-se “Ase-twa” (o poder ele nos trouxe). Houve contestação de todos os Odu pois estes chamavam a si a principal parcela de sucesso na tarefa de lançar os ase propiciatórios, que conseguiram fazer a criança ser menino. Resolveram levar o menino para que fosse consultado por Ifá. Assim ficaria definido qual ou quais Odu seria (am) responsável (eis) pelos destinos do pequenino.
Orunmilá revela então que o menino deveria chamar-se Osetura, pois tinham sido os Odu Ose e Oturá que tinham propiciado caminhos para que aquele ser vivesse na Terra. Após a sagração do menino ao grupo dos dezesseis Odu, este grupo passou a ter dezessete figuras. Se uma mulher estéril queria um filho, como por encanto um filho ela teria. Os pedidos passaram a ser atendidos. Enquanto isso a Iya-mi, satisfeita em parte, orgulhando-se do filho varão, resolveu chamá-lo de “akín-oso” (o poder mago, homem dotado de grande poder natural).
Os odu também passaram a chamá-lo de “Akín Oso”. Em todas as reuniões, decisões, trabalhos, ebó e oferendas, os Odu tinham que levar o menino que agora fazia parte do grupo. Ele era a décima-sétima figura. Apesar de imposta ao grupo dos 16 odu eles não o aceitavam completamente. Eram sim obrigados, pelo pacto feito, a conviver com Osetura. Mais uma vez, a auto-confiança e até uma certa rebeldia dos Odu, como na fase que ignoravam a Iya-mi, fez os Odu ter comportamento parecido com Oseturá.
A situação voltou a ficar incontrolável. Uma grande seca se abateu sobre a terra. Presume-se que os Odu, apesar de levarem Osetura para os trabalhos, “não o aceitavam”. Ele não tinha mostrado “para o que veio” . A seca tudo destruía. Os animais morriam, as folhas secavam, os rios desapareciam. Não chovia haviam três anos e até o orvalho desaparecera.
Os Odu apavorados consultaram Orunmilá e receberam a informação por Ifá que um grande Ebó deveria ser feito e oferecido a Olódùmaré, para que este tivesse misericórdia da Terra. Este ebó era constituído de vários animais, pássaros, frutas e comidas, ovos, 16 panos crus, folhas de ifá e 16 quartinhas com “Epo”.
Quando a oferenda ficou pronta, o Odu Ogbé foi o primeiro a tentar levar o ebó do Aiyé para o Orun. Não conseguiu. No dia seguinte, Odu Oyeku tentou e não obteve êxito. Depois, Iwori, Odi, Irosun e assim até o décimo-sexto, Ofun, todos fracassaram.
As portas do orun não se abriram para nenhum deles. Estavam “pesados” de tanta comida, bebidas, astralmente pesados, não rompiam da terra para o céu.
Decidiram então que a décima-sétima figura, Osetura, deveria tentar. Falaram com ele, mas ele, astutamente, a princípio recusou e disse que não estava bem naquele momento. Sozinho, akín-oso (Oseturá) foi ao igbó consultar Ifá para tentar saber de Orunmilá como proceder. Por Ifá obteve a informação que deveria fazer um ebó antes de levar a oferenda grande. Foi informado também que no caminho surgiria uma anciã e que esta deveria ser bem tratada.
Orunmilá disse também se Osetura obtivesse êxito, gozaria de prestígio e respeito para sempre entre os Odu e entre todos da Terra. Osetura preparou-se para fazer seu ebó e no caminho encontrou a referida anciã. Ela dirigiu-se a ele e disse: “akín-oso, aonde você vai? Ouvi rumores sobre as tentativas dos Odu de levar o grande ebó para Olódùmaré. Você tem alguma coisa para me dar?, disse ela. Oseturá deu-lhe alguns búzios. Agradecida ela falou que há três dias não tinha nada para comer.
Ela perguntou: “Você tomou “alimentos” hoje?”. Como a resposta foi positiva, ela disse então: “Não tente hoje. Faça jejum e tente amanhã”. Despediram-se e Osetura não percebeu que aquela anciã era a própria Iya-mi, disfarçada naquela velha maltrapilha.
Era, portanto, sua mãe. Somente mais tarde ele veio a entender o que aí se passou. Ao encontrar os Odu ele omitiu a tática que iria utilizar, somente dizendo que sua tentativa seria feita outro dia. Chegando ao local das oferendas, em completo jejum, o “ajubó ebó” ele encontra a presença de Esu. Assim que ele começa a “arriar o grande ebó” é sugado com o presente e rompem do “Aiyé” para o “orun” . As portas do céu já estavam abertas.
Ao encontrar Osetura que se estremecia todo, Olódùmaré disse: “Ah! Você viu quando choveu pela última vez na Terra? Pergunto-lhe se o mundo não foi destruído? O que ainda existe? Osetura não consegue nem falar. Olódùmaré percebendo o comportamento de Osetura, apanhou um “Ase” mágico, valioso no orun e de fundamental importância na terra. Esse “ase” eram bastões energéticos, feixes de chuva.
A instrução era para que Oseturá voltasse para a Terra, de posse dos bastões. E assim foi feito. Quando ele chega e rompe na atmosfera terrestre, os bastões encantados são lançados, repletos de “ase” , que imediatamente se transformam em chuva, em uma ciranda da vida que culminaria com a salvação da Terra. Ouvia-se ao longe trovões e via-se os raios anunciando a chegada da chuva remetida por Olódùmaré e trazida por Oseturá, aquele que tinha sido o carregador, o transportador do “grande ebó”.
Assim queOseturá chegou a Terra, viu em primeiro lugar uma plantação de quiabos, viu uma plantação de feijão, viu uma plantação de milho, inhame, abóbora, dendezeiros, todos florindo. Viu as folhas brotarem; o verde voltara. Além dos dezesseis Odu, todos saudavam e aclamavam Oseturá.
Os homens se curvavam perante ele. Até um cavalo ele ganhou, sinal de nobreza, pois somente os nobres possuíam cavalo. Oseturá foi “coberto” de presentes, todos queriam que ele fosse “portador” de suas oferendas, pois ele tinha obtido êxito de transportar o ebó para Olódùmaré, onde todos falharam.
Desde este dia ele ganhou também o título de “ojisé ebó”, o transportador de ebó.
Ficou também estabelecido por todos os Odu e Òrìsà que qualquer trabalho ou oferenda a ser feita, em primeiro lugar deverá ser comunicada a Esu e algo lhe ofertado (Oseturá, Akín-oso), pois ele dividirá com seu pai Esu Odara o presente recebido.
Presume-se que este Esu Odara seja o lado esquerdo de Deus e Esu é o representante de Esu Odara na Terra. Orunmilá determinou que qualquer trabalho relativo aos Odu e aos Òrìsà deverá antes ser feita uma oferenda para Oseturá. Desde então nenhum Odu ou Òrìsà aceitaria oferenda alguma sem que antes tivesse sido agradado, lembrado e respeitado o “transportador”, o “portador” do Ebó Oseturá. Conseqüentemente, Oseturá passou a dividir tudo que recebia com Esu Odara, seu pai, seu criador, ou seja, o lado esquerdo de Deus.
A formade Esu no orun é Esu Odara, enquanto que aqui na terra Oseturá é o próprio Esu, assim como Elegbará, Elegbira também são formas de Esu na terra. Ele se converte em portador e carregador de oferendas para o Orun, recebendo o título de “ojisé-ebó”. Também podemos chamá-lo de Esu-Elebó, o proprietário, o que controla e regula o ebó.
Esu é inclusive conhecido como “Eleru”, senhor do “eru”, carrego ritual. Esu é portanto filho da Iya-mi, representante do poder ancestre feminino e dos Ase dos 16 Odu-Agba, representando o poder masculino. A relação harmoniosa entre o poder feminino e masculino é restabelecida com o nascimento de Osetura, que é o resultado da fertilização e da descendência. Osetura restabelece a relação harmoniosa por duas vezes.
A primeira quando nasce varão, restabelecendo a harmonia entre a Iya-mi-ajé e os dezesseis Odu-agba, salvando a terra do caos e do aniquilamento. A seguir ele conseguiu que as portas do Orun lhe fossem abertas, outra vez salvando a terra da seca total, reatando e mantendo, mais uma vez, a relação dinâmica do orun e aiyé.
Após esta história é fácil entendermos que a dinâmica de todo sistema yorubá é centrada em torno do ebó, da oferenda, o sacrifício em sua vasta gama de propósitos e modalidades, restituindo e redistribuindo “ase”. É o único meio para que a harmonia seja mantida nos dois planos ou seja, no orun e no aiyé. Esu se compromete em devolver tudo que ele devora, multiplicando e redistribuindo tudo em diversas formas, às vezes com riquezas, crescimento e honras. É por meio da devolução que Esu fornece a multiplicação e o crescimento. Tudo que existe de forma individual será redistribuído.
Toda pessoa viva é acompanhada, constituída por seu próprio Esu individual, elemento que permitiu seu nascimento, desenvolvimento e o fator multiplicador, cumprindo, portanto, o fator dinâmico harmoniosamente.
Esu sob a forma “yangi” é símbolo do elemento procriado, é responsável e o único capaz de reparar o útero mítico fecundado, o Igbá-nlá” ou “igbá-iwa”, cabaça da existência. Porém é bom ficar bem claro que apesar de Esu ser produto, do masculino e do feminino, é ele masculino, tão somente esta é a sua forma. Lembramos que a própria Iya-mi exigiu que o produto de sua fertilidade fosse masculina, fosse homem, isto lá no início da criação da terra. Logo, não existe Esu fêmea.
Em resumo, nunca se esqueçam de Esu. Presenteiem Esu e acima de tudo respeitem Esu.
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