sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Amigos




Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade. E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências...

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.

Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo! Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!

sábado, 8 de outubro de 2011

O AMOR, A GRANDE MAGIA








Nunca se ouviu dizer que um sábio espiritual foi vítima de alguma magia trevosa. Isso porque os mestres dominam a maior magia de todas: a arte de ser um sol de amor e serenidade. Eles sabem que o AMOR é a maior magia que existe e que o Grande Mago é o TODO, pois está em tudo! Que as pessoas que padecem do medo de magias e de "coisas feitas" tomem consciência de que a verdadeira defesa psíquica é o amor em seus corações e boas atitudes como escudo. Que se libertem do medo, mas que se escorem nas Luzes Superiores que governam a existência e sabem de tudo o que se passa nos recônditos de todos os corações, inclusive dos assediadores (obsessores), que são apenas espíritos, pessoas extrafísicas entranhadas em energias densas, mas ainda pessoas, e que como tal, também são suscetíveis de crescimento e aprendizado. Que a defesa de cada um seja o bem que faz em vida! E quando as trevas assediarem, que isso não seja motivo de medo, mas sim de trabalho sadio de renovação e consciência. Em lugar de dramas, que as pessoas irradiem a luz do amor e desfaçam as obsessões que elas mesmas atraem por medo e ignorância. E que qualquer magia trevosa direcionada a alguém seja transformada pela ação do AMOR, a maior magia que existe! Acima de tudo e de todos, há um Grande Mago operando a magia do amor nos corações que se esforçam em crescer e seguir os ditames da consciência justa. Que toda magia estranha seja transformada por Ele, O Grande Arquiteto Do Universo, a Luz das luzes, O AMOR do amor, ao qual todos os espíritos devem obediência e agradecimento por tudo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Frase para refletir....




"Bí abá so òkò sójà ará ilé eni ní bá"
Aquele que atira pedras ao mercado corre o risco de atingir um parente






Nota: dona Olga foi uma das grandes autoridades dentro do culto de Orísà.
Viveu na cidade de  Salvador e comandou o Asè Alaketo com maestria.
Hoje descança no Orun.



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Modernidade e Tradição Afro-Americana

Compartilho com você esse material que recebi a alguns anos do meu primo Professor Flávio









Prof. José Flávio Pessoa de Barros

Doutor em Antropologia - UERJ





            Quando o Centro Cultural de Marin, órgão da administração de um dos distritos da Martinica, decidira-se por realizar, no verão de 1991, seu encontro internacional, Pierre Louis não antevia o que lhe aguardava. Afinal, tratava-se, tão somente, de expedir convite e dispor dos recursos necessários que seu governo, como das outras duas ocasiões, certamente não lhe negaria.  Como presidente do Marin, conhecia bem todas as formalidades necessárias para levar a bom termo suas tarefas de organizador e mestre de cerimônia. Sabia perfeitamente que grupos de músicos, dançarinos e artistas convidar. Além disso, conhecia, de perto, historiadores, sociólogos e antropólogos dedicados à temática escolhida para discussão naquele ano. A composição étnica da Ilha já premiara, anteriormente, indianos e japoneses. Agora, comemorava-se a mais expressiva das contribuições culturais ao patrimônio de sua terra: aquela que a diáspora africana trouxera para o Novo Mundo.



            Não fosse a pele negra e o esmero com que cuidava dos pormenores do evento, poder-se-ia pensar que tratava-se de um cidadão francês comum, nacionalidade da Ilha, empenhado nos afazeres comezinhos de um agente cultural. Mas nosso encontro em Paris acabaria por alterar, significativamente, sua concepção de afro-americanidade. Uma delegação do Brasil não poderia deixar de estar presente. Mais que um erro de etiqueta, Pierre Louis convencera-se do equívoco. Sua Agenda passaria a incluir um  “bloco afro”  (o Ilê Aiê, de Salvador),  um grupo de capoeira  (o Pelourinho, do Rio de Janeiro) e um candomblé  (o Ilê de Iemanjá, do Rio de Janeiro).  A representação do Brasil era composta, ainda, por historiadores, sociólogos e antropólogos.



            Ao longo dos meses, as relações foram se estreitando através de extensa e continuada troca de correspondência. O assunto cobria os acertos para a nossa participação:  resumos das comunicações,  “papers”, currículos, passagens e hospedagem, enfim, providências que não demandavam maiores preocupações, pois o Centro Cultural do Marin a tudo atendia.



            A expectativa de Pierre Louis era de que as delegações trouxessem para a Martinica  “aquilo de mais autêntico e expressivo de suas culturas”.  O grupo brasileiro, além de considerar a recomendação, preocupava-se em cuidar com denodo dos requisitos necessários para o que havia decidido apresentar. Se a estada e as condições estavam garantidas, o mesmo era fundamental assegurar quanto ao atendimento de uma inusitada pauta de itens litúrgicos. Inusitada porque nosso anfitrião não tinha levado em conta a complexa e refinada exigência de seus convivas.



            A simples referência à  “autenticidade” dos fatos, suscitara problemas que requeriam uma escrupulosa etiqueta. Não era uma viagem como outra qualquer. Um grupo de dança, uma exibição musical e a presença de um candomblé no evento da Martinica implicavam a consulta a oráculos, a permissão dos orixás, e a preparação das indumentárias, além da consagração dos instrumentos e da sacralização dos lugares onde músicos, dançarinos e divindades se apresentariam.



            O oráculo determinara a realização de um  “olubajé”  e de um  “presente para Iemanjá”.  A primeira cerimônia dedicada a Obaluaiê, de significado simples para Francisco, o pai-de-santo, não constituía mais do que um voto de saúde e prosperidade aos anfitriões, pois é este o propósito de uma tal cerimônia. O que intrigava a Francisco era o  “presente para Iemanjá”.  Depois de muito pensar, acabou por concluir tratar-se de uma especial deferência: - Iemanjá é a Rainha do Mar. Eles vivem numa ilha, não é ? Iemanjá deve morar lá na Martinica, também !



            Francisco, certo do apropriado entendimento da determinação oracular, passou aos arranjos para a viagem. Para o  “presente” relacionara espelhinhos, perfumes, pentes, jóias, fitas e flores. Tudo deveria ser ofertado em um grande cesto. Alguém lembrara a necessidade de um barco para a entrega, no mar, do ofertório, mas tudo isso era facilmente encontrado na Ilha, como esclareceram, por fax, os organizadores. Quanto ao  “olubajé”, as informações não eram alentadoras. Como atender a todos os orixás, se para o preparo de suas comidas votivas não contasse, a Martinica, com os ingredientes básicos ?  Um  “olubajé”  é uma grande produção, distribuição e repartição daquilo que comem os orixás. E é da participação nessa comensalidade que o conviva pode ter garantida a sua prosperidade e saúde.



            O babalorixá Francisco tinha, pois, de reunir à bagagem o dendê, o feijão-fradinho e preto, os  “obis” e  “orobôs”  (sementes divinatórias), requisitos inexistentes na Ilha, conforme a correspondência assinalava. Sua preocupação maior, no entanto, estaria voltada para os animais necessários aos sacrifícios e uma peculiar modalidade de apresentação dos quitutes, pois a etiqueta do  “olubajé”  manda que sejam servidos sobre as folhas de mamona  (“ricinus comunis”).



            A consulta agora recebera, para felicidade e satisfação de todos, uma confirmação inequívoca  “tem mamona e galinha d’angola”, assim chegava a notícia, transmitida por uma brasileira residente na Martinica, designada para verificar os itens que tanta preocupação traziam ao sacerdote. A  “eue lará” , nome litúrgico da mamona, a folha-do-corpo, não traria maiores inconvenientes no transporte, mas a galinha d’angola, caso não fosse encontrada na Ilha, certamente traria grandes transtornos alfandegários. ocorre que  “sem ela”, dizia Francisco,  “não há como fazer os trabalhos”.



            Avaliar o significado e extensão da afirmativa, bem como compreender a ansiedade do pai-de-santo, estava fora do alcance não só de Pierre Louis, mas de todos aqueles que tão gentilmente organizavam a recepção aos brasileiros.



            Contornadas as dificuldades e ultimado o embarque, na data prevista, a delegação do Brasil cumpria toda parte do programa atribuída aos seus cinqüenta e quatro integrantes. Os ritmos, odores, sabores, sonoridades e a profusão do colorido e brilho das indumentárias, ainda hoje, guardam os ilhéus, carinhosamente na memória. Em suas cartas, Pierre Louis não esconde todo o prazer que o encontro lhe trouxera, sobretudo na considerável ampliação de seu horizonte de afro-americanidade.



            O espetáculo que haitianos, jamaicanos, portorriquenhos, cubanos, brasileiros e muitos negros dos EUA, de São Domingos, Santa Lúcia e Guadalupe, apresentaram ao dramatizar o mosaico de identidades de  “nuestra America”, como diria Jose Martí, é indelével. Não só para o anfitrião, mas para todos aqueles que aceitaram o convite de serem brasileiros para os outros, a começar pelo cuidadoso Francisco.



            Ao integrar a comitiva, o fizera depois de ter considerado a recomendação de  “autenticidade”  de um certo ponto de vista, o do povo-de-santo, estilo de vida e visão de mundo singulares, aos quais aderira ainda menino. Daí tanto escrúpulo. Viajar com tamanha responsabilidade exigia a aguda consciência dos fundamentos sobre os quais se assentaram suas convicções e identidade. Não estaria só, portanto. Acompanhava-o um tempo mítico em que a galinha d’angola, a  “poule marrone”, o  “conquem”, o  “etú”, nominação diversa e um só personagem, orientava a sua memória dos ritos. Na base de tudo isso, o regozijo de quem cultiva origem e descendência. Mas dizer origem e descendência para um filho-de-santo é enfrentar, de um só golpe, os mistérios da criação e da morte. E a referência à galinha d’angola é incontornável, não só quando se tem de  “fazer os trabalhos”, mas sobretudo quando se trata de pensar o sentido da existência. Sobre este animal maravilhoso, trazido da África, cativo também, muitos sacerdotes como Francisco contam histórias:



“Era grande a mortandade. As pessoas estavam apavoradas e pediram   a oxalá. E ele mandou fazer “ebó”. Mandou pintar uma galinha preta com pintinhas brancas de efúm (Giz). Depois disse para soltar no mercado. A morte se assustou e foi embora. Assim surgiu a galinha d’angola.

“Um dia oxum estava sozinha, muito sozinha ...Resolveu, então fazer a sua gente. Pegou uma galinha, catulou, raspou e pintou com muitas pintinhas.Colocou na sua cabeça, no seu “ori”, um chifrinho. Fez assim o povo-de-santo, o primeiro iaô que é a galinha d’angola, um bicho que é feito.



            Era disso que se ocupava Francisco, em tantas reflexões, quando de sua memorável viagem a essa África caleidoscópica que lhe reservava a Martinica.









Bibliografia:







PESSOA DE BARROS, J. F. -     Ewe o OSANYIN - sistema de classificação dos vegetais em Casas de Santo Jéje-Nagô de Salvador. Tese de Doutorado, FFLCH/SP., SP, 1993.



PESSOA DE BARROS, J. F.; MELLO, M.A.S. ;  VOGEL, A. ; SAMPAIO, M.I. - Orunkó Yaô? Quel est ton nom, nouvel initié? In Revue D’Ethno-Psychiatrie, nº 7, Paria, 1987.



PESSOA DE BARROS,  J. F.; MELLO, M.A.S. ; VOGEL, A - A Galinha D’Angola: Iniciação e Identidade na  Cultura Afro-Brasileira. RJ., Ed. Pallas, Flacso, EDUFF, 1993.



PESSOA DE BARROS, J. F.; MELLO, M.A.S ;  VOGEL, A ;  TEIXEIRA, M.L.L. - Le Bori. Construction de la Persone Dans le Candomblé. In. Nouvelle Revuer D’ Ethnopsychiatrie, nº 20, Paris, 1993.



TURNER, V.W. - Syntaxe su Symbolisme D’Une Religion Africane. In. Le Comportament Rituel Chez L’Homme et L’Animal. Paris, Éditions Gallimard, 1971.